segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Gonzaguinha: Grávido (1984)

Interpretando canções...
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Como estudante de Filosofia, estou sempre em contato com diversos textos. Ler algo é sempre interessante. Contudo, após muito se ler e interpretar escritos, vários são os questionamentos que podem ser levantados a partir de tal atividade.
Em uma obra de filosofia ou literatura (ou qualquer outro texto), há quantas interpretações possíveis? Este número é finito ou infinito? Há, de fato, alguma interpretação errada? Qual seria o critério para julgá-la? Devemos nos limitar apenas ao que o autor quis dizer ou devemos ir além? E se o autor deixa a obra em aberto, não indicando um caminho ou um contexto para que o texto seja entendido, tenho direito de interpretá-la como bem entender?
Mas, por que coloco estas questões? Há duas semanas fiz uma viagem a Natal, capital do Rio Grande do Norte, com meus amigos de curso para participar de um congresso. No meio daquela convivência vinte-e-quatro-horas-por-dia, conversa vai, conversa vem e alguém começa a cantar 'Lindo lago do amor', de Gonzaguinha. De repente, este mesmo sujeito faz uma observação: "Victor, já tentaste imaginar a cena descrita no refrão? Não achas uma cena meio diferente... meio gay?". Nunca tinha parado para pensar nisso, mas sinceramente não vejo nada demais em alguém tomar um banho em um lago. Todavia, no lindo lago do amor, realmente parece complicar. Por que no lindo lago do amor?
Depois de muitas cervejas e sem ter nada mais interessante a fazer, tomando como referência o comentário acima, iniciamos uma hermenêutica da letra. Impressionante! É incrível como as coisas se encaixaram. Frases como "A sabiá sabia já", "A lua só olhou pro sol", "O sapo entregou" dão a entender que há algum segredo sendo revelado enquanto o rapaz toma seu banho nas maravilhosas e claras águas do lindo lago do amor. Além disso, frases como "A chuva abençoou" e "O vento diz: 'Ele é feliz'" também parecem colaborar fortemente para tal interpretação. O resultado de toda essa empreitada foi que todos aqueles a quem apresentamos este modo de entender a letra acabaram por ser induzidos a interpretá-la dessa forma.
Para piorar a situação, ao regressar a Recife, fiz uma pesquisa a fim de encontrar alguma informação sobre a música e não encontrei nada. Afinal, por que Gonzaguinha fez esta canção? Que é o sujeito que se banha no lago? Se ele não diz nada disso, parece que não há nada de errado com a interpretação acima. Poderíamos, então, considerá-la correta?
A situação é complicada. De qualquer forma, a música é excelente e mostra a grandeza de Gonzaguinha como compositor. Assim, prestamos uma homenagem a este grande cantor postando o álbum em que encontramos o sucesso 'Lindo lago do amor': Grávido.
Lançado em 1984, sete anos antes de sua morte, este disco corresponde à obra de maturidade do cantor e compositor fluminense. Em geral, as músicas apresentam um ritmo mais suave do que o usual. No entanto, o artista ainda mostra sua ligação com o samba em algumas canções, estilo musical que sempre apreciou.
Além de 'Lindo lago do amor', também são dignas de destaque o samba 'Nem o pobre nem o rei' e as canções 'Rosa povo' e 'Nunca pare de sonhar'. Todas bastante conhecidas pelos que admiram a obra de Gonzaguinha.
Fica, desse modo, mais uma sugestão do Jossa Blog. Aproveito para dedicar a obra ao meu amigo Paulo Vicente da Silva Filho, com quem fiz a parceria para interpretar a canção. Por fim, fica um pedido. Por favor, se alguém souber algum dado importante sobre a música 'Lindo lago do amor', comunique. Gostaria muito de reinterpretá-la. De um modo melhor, talvez...
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Ficha Técnica: Grávido (1984)
Mais informações: Gonzaguinha

3 comentários:

  1. Apesar de ter comparecido ao evento citado e de ter participado da “convivência 24h”, não estive presente no momento de tal fato mas presenciei esta mesma pessoa (Paulo) cantando a música numa calourada na qual ela foi tocada (acho que isso se deu antes do congresso). As questões propostas no início do texto são bem interessantes (fundamentais dentro não só da filosofia mas da literatura, história e afins), mas algumas delas não me parecem assim tão problemáticas. Ex. “Devemos nos limitar apenas ao que o autor quis dizer ou devemos ir além?”; parece-me que depende da nossa intenção. Se intento expor o que o autor disse/ quis dizer (e aqui pode já haver uma diferença significativa), tenho de me ater ao que ele afirma explícita ou implicitamente; mas, se meu interesse é puramente instrumental, posso “adaptar” (ou “deturpar”, se preferires) o pensamento de outrem ao meu interesse. Acho isso válido, desde que não se ponha palavras na boca/ pena de outrem, mas se admita a modificação.

    Especificamente sobre a letra (não sabia que era de Gonzaguinha, de quem me tornei fã este ano!), tenho outra interpretação (a qual, apesar de ser diversa, não chega a ser inconciliável com a apresentada em seu texto); mais que uma revelação, vejo uma purificação/ êxtase. Partindo-se duma identificação entre o Belo, o Bem e a Verdade, podemos conciliar as duas interpretações. Como escreveste, o refrão trás adjetivos positivos (lindo, maravilhosamente); noutra frase, diz-se “a chuva abençoou”; em outra “o vento diz ele é feliz”. É bastante provável que o “lindo lago do amor”, bem como a “maravilhosa clara água” sejam metáforas; entretanto, imaginar literalmente a cena não me parece tão absurdo; consistiria num banho purificador (nada mais comum noutros contextos/ culturas que não a nossa ocidental (pós) moderna.

    Rapaz, faz já alguns meses que li esta postagem e cunhei tal interpretação, mas só agora tive condições (coragem) de postar (entre outros empecilhos). Considero este um dos mais interessantes textos que o Sr. Redigiu no blog (dentre os poucos que li) e coincidentemente o li mais ou menos na época em que comecei a me interessar pelo músico (acho que já esse ano, ou seja, meses após o congresso). Descobri outros discos dele aqui em casa (“Caminhos do coração”, “Começaria tudo outra vez”...) mas baixei “Grávido” por causa do Jossa blog e confesso que não é dos meus favoritos. Além da faixa mais conhecida do disco (“Lindo lago do amor”), concordo com os seus destaque, exceto “Nem o pobre nem o rei”. No entanto, a música que atualmente constitui um vício para mim (no início a achei deveras sem graça) é a faixa título, a qual considero duma beleza poética singela e tocante.

    Ps: senti falta de informações sobre a belíssima capa do disco; a criança é filho(a) de Gonzaguinha? O disco foi feito em homenagem a ele(a)? Parabéns pela inspiração e obrigado por me propiciar conhecer a obra =)

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  2. Meus amigos,

    A mensagem que esta música traz é que a felicidade só é possível através do amor.
    O bem-te-vi só era feliz porque tomou um banho nas águas claras do lindo lago do amor.
    Os demais personagens da música deram seu parecer sobre o motivo que fazia o bem-te-vi ser feliz. Todos estavam questionando o motivo da felicidade dele, pois esta era visível a todos.

    Vejam a ação de cada personagem:
    A sabiá: já sabia que o bem-te-vi era feliz (a música não dá explicação sobre isso, mas talvez porque, sendo também um pássaro, deveria perceber a felicidade dele por conviver com ele).
    A lua: Não sabia o motivo da felicidade do bem-te-vi. Só fez olhar pro sol, como quem diz: "E aí, sol? O que você acha? Por que esse bem-te-vi é feliz?"
    A chuva: Só fez abençoar o bem-te-vi (quem sabe mandando água para manter o lago cheio), mas não sabia o motivo da felicidade dele.
    O vento: Disse que o bem-te-vi era feliz (o pássaro voa ao vento e talvez o vento tinha conhecimento de como era o pássaro; percebia a felicidade que o bem-te-vi transparecia ao voar). Mas seu conhecimento sobre o bem-te-vi só ia até aí.
    A águia: quis saber o que fazia o bem-te-vi ser feliz. “Por que será?” Ela, mesmo sendo uma ave, não sabia. Tem lógica a águia não saber nada sobre o bem-te-vi e a sabiá saber. A águia não convive com o bem-te-vi, pois voa muito mais alto. A sabiá sim. Esta convive com ele.
    O sapo: Este era o que mais sabia, pois certamente vivia nas proximidades do lago. E logo abriu o jogo sobre o motivo da felicidade do bem-te-vi a todos os curiosos dizendo que ele havia tomado um banho de água fresca nas águas claras do lindo lago do amor. Era por isso que o bem-te-vi era feliz. O sapo sabia bem da causa da felicidade do bem-te-vi.

    Essa música é uma obra de arte! Faz uns dois anos (julho de 2009) que entendi a letra desta forma. Até aqui é a interpretação que eu tenho como correta.
    A felicidade depende totalmente do amor. Só podemos ser felizes se estivermos em amor.

    Então vamos mergulhar nas águas do amor e sermos felizes.

    Marcos Roberto A. Barbosa
    Recife-PE

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  3. Caro Marcos,

    Agradeço os esclarecimentos acima. Já havia em outros momentos reinterpretado a canção, mas nunca havia imaginado que o protagonista da história seria o bem-te-vi (não vejo indícios disso). Imaginava sempre um homem qualquer, apaixonado, tomando banho nas águas do lindo lago do amor. Mas acredito que tua interpretação é igualmente válida. O que importa mesmo é o que disseste ao final: "vamos mergulhar nas águas do amor e sermos felizes".

    De qualquer modo, agradeço pelo seu comentário, pois ele me levou a reler o texto da postagem e rir um bocado lembrando daquele momento vivido há quase dois anos. Certamente, este era um dos motivos que eu tinha em mente quando decidi criar o Jossa Blog: registrar bons momentos ou boas reflexões para lembrá-los bastante tempo depois.

    Infelizmente, não tenho estado disponível para continuar as postagens. Mas, sem dúvidas, retornarei a fazê-lo daqui a algum tempo, quando estiver menos atarefado.

    Grande abraço!

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